segunda-feira, 20 de abril de 2009

O poder mágico da gentileza

Palavras e gestos simples de cuidado com o outro tratam a saúde de quem pratica e o bem-estar coletivo
Ana Braga // Diario
anabraga.pe@diariosassociados.com.br


A veterinária Laurimar Thomé, 35 anos, sorri abraçada junto às crianças assistidas por seu projeto social tocado no bairro do Coque. Foto: Alcione Ferreira/DP/D.A Press
Mesmo com uma rotina de trabalho cansativa, o gari Severino Pereira, 26 anos, consegue ter uma palavra amiga para oferecer a alguém. Foto: Edvaldo Rodrigues/DP/D. A Press.

A entrevista começou assim: me contaram que o senhor é um homem gentil. O que o senhor acha disso? Vestido na farda vermelha em brim grosseiro, o gari Severino Gomes Pereira, de 26 anos, respondeu à primeira pergunta com um delicado "obrigado. Mas pelo meu modo de falar, a senhora já vai ver quem eu sou". Desarmada pela cortesia do homem de sorriso fácil, a conversa seguiu. O bate-papo era sobre gentileza, qualidade do ser humano gentil, amável, cortês, elegante, como apontam os dicionários. Qualidade que, quando existe, faz bem à saúde. Física e mental. Individual e coletiva. Mas que, quando falta, pode até adoecer de depressão e pânico quem carece dela. Porque o poder da gentileza é terapêutico. Severino trabalha na comunidade chamada Detran, na Zona Leste do Recife. De tanto que conhece o lugar, age como fosse um guia. Sabe das ruas e becos. Sabe também dos nomes e sobrenomes da maioria dos moradores. Presta atenção nas casas e famílias. "Tanto a comunidade precisa de mim, quanto eu preciso dela", comentou o gari (primeira e única profissão de Severino, há oito anos). "Às vezes, quando eu tenho um problema pessoal e vou trabalhar, falo com as pessoas da comunidade e volto para casa sorrindo. Aí, minha mulher começa a dar um bocado de beijos em mim e eu começo a beijar a minha filha. Um bom dia que eu dou ali termina me ajudando lá na frente, né?", contou Severino, que mora no Morro da Conceição. Para ele, os cumprimento são tão ou mais espontâneos do que o próprio ato de varrer.Palavras, olhares e gestos gentis como os de Severino acontecem espontaneamente. Não surgem de obrigação, imposição, promessa ou penitência. Mas são mantidos com práticas, exercícios. A maioria simples, bem simples. "Fazer coisas ordinárias com um amor extraordinário". A frase da Madre Teresa de Calcutá (1910 a 1997) inspira a veterinária Laurimar Thomé, de 35 anos. "Desde pequena eu presto atenção no outro. Eu estudava em colégio de padre e, quando o frei não servia o café às pessoas do lado de fora do muro, eu ia em casa e dava o café", recordou Laurinha. "Os bichos da rua eu recolhia todos", contou.
E não consegue até hoje. Nem com bicho, nem com gente. Há cinco anos, Laurinha coordena, com a ajuda de um grupo de amigos, o projeto social Eu sou do bem, que acompanha 60 crianças e famílias do Coque, na Ilha Joana Bezerra. "Começou quando um dos meninos de rua que eu conheci, que inclusive já morreu, pediu para eu ver uma bebezinha que tinha feridas por todo o corpo. Eu vi e corri atrás de ajuda de várias pessoas para tratar a menina. A solidariedade foi se espalhando e o grupo não conseguiu mais sair de lá", lembrou a veterinária, disfarçando as lágrimas nos olhos. A bebê se chama Elisa e hoje é uma das 60 crianças do projeto. "Gentileza é uma qualidade que a gente pode aprender e exercitar, fazendo coisas simples. Quem não faz gentilezas é porque é carente disso também", observou.
Saúde - "Eu acho difícil falar das coisas que faço. Mas, se perguntar as gentilezas que já ganhei, eu falo aos montes. Acho que eu tenho um crédito na terra de tanta gentileza que já recebi", brincou. "Acredito piamente que gentileza gera gentileza. É exatamente isso que me fortalece para tudo", afirmou Laurinha. Laurimar tem razão. Ao menos para a medicina, a psicologia e outras ciências que tratam o ser humano. "Quando começamos a estudar o poder da gentileza, focávamos nos ambientes das grandes empresas. O negócio era reduzir custos de despesas médicas e faltas no trabalho. Hoje, a gente sabe que a gentileza e a falta dela merecem uma olhar mais profundo, de sentido para vida", observou o médico Alberto Ogata, presidente da Associação Brasileira de Qualidade de Vida (ABQV), que representa no Brasil o Wolrd Kindness Movement (Movimento Mundial da Gentileza). "Há estudos de imunologia que mostram que organismos de pessoas gentis respondem melhor ao estresse, por exemplo. Elas têm mais imunidade", comentou.


Sintomas da modernidade
Gestos e palavras gentis parecem fora do comum, muitas vezes. Como se coubessem somente para super-heróis e loucos. Mas, basta uma pesquisa rápida de internet sobre a história e origem da palavra gentileza, para se chegar a impressão de que essa é uma qualidade que existe no homem comum. E que, sem ela, a humanidade somente resiste. A ideia tem reforço na experiência do psiquiatra, antropólogo e professor-adjunto da Unicap Moab Acioli. "Se a gente procura a etimologia, vai chegar até ao adjetivo gentil, à pessoa que é delicada, amável e cuidadosa com o outro. E vai chegar, principalmente, à ideia de gente. Isso significa pessoas, homem convivendo com homem, humanidade. Sem a gentileza, o ser humano está só", justifica."Eu entendo que a palavra gentileza significa um cuidado que um indivíduo tem pelo outro e que expressa de várias formas, como na compaixão e na solidariedade. Mas, hoje vivemos a pós-modernidade, onde as pessoas estabelecem relações virtuais umas com as outras, seja por aparelhos eletrônicos e pela superficialidade", observa o psiquiatra. "As pessoas dizem que são amigas, mas não o são. Dizem que são amantes, mas são ficantes. Não se tratam com gentileza, não há cuidado um com o outro. Por isso que a depressão e o pânico, ligados justamente à perda do aconchego e ao medo do futuro, são sintomas cada vez mais presentes", avalia. Pelos dados de 2005 da OMS, a depressão afeta 121 milhões de pessoas no mundo. No Brasil, são 17 milhões. A gentileza, considera Acioli, é terapêutica. "Os casados se queixam de falta de gentileza entre si, os pais se queixam dos filhos, os mais novos dos mais velhos. Esse comportamento é uma violência. Uma palavra gentil diminui a dor e a ausência dela pode provocar a dor", argumenta.

Teste as suas atitudes
São perguntas sobre situações que você vive em casa, na rua e no trabalho. Muitas têm respostas óbvias neste papel. Mas, na prática, às vezes mudam de lado.
Responda e reflita: 1. Você está atrasado(a) para uma reunião e se depara com pessoas barrando a sua entrada no edifício em que o encontro será realizado.
Você:a) Afasta todos que estiverem à sua frente, afinal você já está atrasado
b) Passa calmamente pelas pessoas, sempre pedindo licença
c) Reclama para que as pessoas saiam do caminho
2. Você está em um ônibus lotado quando entra um idoso.
Você:a) Levanta-se imediatamente oferecendo o lugar
b) Finge não ter percebido a presença do idoso
c) Antes de ceder o lugar, aguarda para ver se outra pessoa irá se levantar
3. Aguardando para atravessar em uma extensa faixa de pedestre, há uma pessoa com deficiência visual.
Você:a) Coloca-se à disposição para auxiliar na travessia
b) Fica por perto para checar se ela precisa de ajuda
c) Não participa da situação
4. Você está atarefado(a) no trabalho e um colega telefona para "jogar conversa fora".
Você:a) Ao perceber que não é um assunto relevante, diz que está um pouco ocupado e convida-o para um happy hour na saída do trabalho
b) Responde laconicamente, mostrando desinteresse
c) Diz que não tem tempo para falar e desliga
5. Um pesquisador na rua solicita que você responda a algumas questões, mas você está sem tempo.
Você:a) Diz que não pode parar
b) Passa direto, sem nem olhar para o pesquisador c) Pede desculpas e diz ao pesquisador que no momento você está sem tempo
6. Você está em férias do seu trabalho e um colega telefona mais de uma vez para seu celular pedindo informações sobre suas tarefas.
Você:a) Atende os telefonemas e responde as dúvidas
b) Atende os telefonemas, mas responde de mau humor
c) Não atende
7. Você está saindo da garagem atrasado para o trabalho e uma idosa está prestes a atravessar à frente do seu carro.
Você:a) Espera pacientemente ela atravessar
b) Espera, mas vai acelerando e sai assim que possível
c) Sai antes que ela comece a atravessar
8. O elevador chega e você percebe que um vizinho está saindo do carro carregado de sacolas. Você:a) Chama o outro elevador para que chegue a tempo de pegar o vizinho e toma o seu elevador
b) Sobe
c) Aguarda-o e segura a porta para que ele entre
9. Você toma um táxi e o taxista começa a provocá-lo sobre política, com opiniões contrárias às suas.
Você:a) Começa a responder de qualquer jeito e acaba descendo irritado
b) Corta o assunto c) Procura ouvi-lo e eventualmente argumenta com calma e sutileza Gabarito
Quanto mais pontos, mais gentil você pode ser.1. a (0 ponto), b (5 pontos), c (3 pontos)
2. a (5 pontos), b (0 ponto), c (3 pontos)
3. a (5 pontos), b (3 pontos), c (0 ponto)
4. a (5 pontos), b (3 pontos), c (0 ponto)
5. a (3 pontos), b (0 ponto), c (5 pontos)
6. a (5 pontos), b (3 pontos), c (0 ponto)
7. a (5 pontos), b (3 pontos), c (0 ponto)
8. a (3 pontos), b (0 ponto), c (5 pontos)
9. a (0 ponto), b (3 pontos), c (5 pontos)
Elaboração: World Kindeness Movement e Associação Brasileira de Qualidade de Vida.

DIÁRIO DE PERNAMBUCO,VIDA URBANA,29/3/09

2 comentários:

Ed Cavalcante disse...

Ser gentil nos dias de hoje á algo incomum, infelizmente. Se voc~e entra no ônibus de diz bom dia, boa tarde, as pessoas todas olham para você com ar de surpresa. Depois de ler essa matéria, lembrei-me do Profeta Gentileza, um mendigo que até bem pouco tempo vagava pelas ruas do Rio de Janeiro pregando a bondade, a gentileza, distribuindo carinho. Ele, inclusive, virou personagem de novela. Está sendo interpretado, brilhantemente, pelo Paulo José. Quem quiser conhecer mais sobre esse nobre cidadão carioca é só acessar:
http://www.riocomgentileza.com.br/

Abraço!

Bete Meira disse...

Concordo plenamente. Também me lembrei do profeta ao ver a matéria reconheci no personagem de Paulo José.Quem é gentil por natureza sofre com a habitual grosseria de grande parte da humanidade,infelizmente. Bjin