Uma lição eu tirei, se eu não me der o devido valor, ninguém me dará. E que a verdade está quase sempre estampada nos nossos olhos, mas nosso coração insiste em crer no que não lhe faz sofrer. Por isso há situações inevitáveis, que às vezes parecem cruéis, mas são a única forma de nos tirar a venda dos olhos e do coração. Tamy Henrique Reis Gomes
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domingo, 29 de maio de 2011
Uma analfa diplomada zombando dos outros
Duas analfas com diploma de professoras, zombando de alguém que, certamente, não teve oportunidade de estudar e muito menos de comprar diploma por aí, como vemos tanto nas reportagens. Quem não estudou, não tem obrigação de empregar a norma de prestígio. Agora professores assassinando a língua portuguesa, isso sim, é o cúmulo dos cúmulos.
domingo, 22 de maio de 2011
Professores semialfabetizados prejudicam os alunos
Hoje o erro é chamado de inadequação. Em vez de certo ou errado, os professores são orientados a falar em adequado ou inadequado. Concordo que na sua comunidade as pessoas se comuniquem informalmente, é claro. Mas o aluno vai à escola para dominar a chamada norma de prestígio e é isso que lhe será cobrado em concursos e entrevistas de emprego. Um livro didático não pode legitimar estruturas gramaticais fora da concordância ensinada pela gramática sem que isso enfraqueça os alunos fora dos muros da escola. Outro absurdo é um professor de português cometer erros grosseiros, como: recifence, cilicone, enserida, empeça, estravagante, se não no lugar de 'senão', mas no lugar de ''mais', coro no lugar de 'couro' (tudo isso a mesma pessoa). Copiando Bóris: Isso é uma vergonha!!! Os alunos desse tipo de "professor" serão vítimas de preconceito linguistico, sem dúvida. Defendo a tese de que ninguém tem obrigação de falar e de escrever na tal língua de prestígio a não ser os professores de português, afinal estudam para isso e precisam transmitir aos seus alunos o que a sociedade espera deles. É o mínimo que se espera de alguém que se forma em Letras.
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domingo, 5 de dezembro de 2010
Variação e mudança
Sírio Possenti
De Campinas (SP)
A maioria absoluta dos brasileiros - talvez não só os brasileiros - alfabetizados ou letrados tem uma idéia completamente equivocada do que seja uma língua. Para eles, língua é a que a escola ensina, ou o que está nos manuais do tipo "não erre mais". O resto é erro. Todos consideram que as variantes são erros.
Ocorre que o que a escola ensina também é mais ou menos variado. E depende muito também do desempenho linguístico dos professores. Como eles são membros da sociedade, são afetados pelas mudanças que a língua sofre com o correr do tempo, de forma que seu "português" é, de alguma forma, o português de seu tempo. O que não é necessariamente ruim.
Isto quer dizer que o português que os professores falam e mesmo o que escrevem não é necessariamente o português dos livros adotados nas escolas. O que vale para professores de português vale também para os das outras disciplinas, claro. E vale também para os jornalistas e para as personalidades que eles entrevistam, tenham elas a formação que tiverem (em geral, são especialistas em alguma coisa, sempre especialistas). É só ouvir os debates ou os programas de entrevistas para verificar isso.
Dou dois exemplos banais. Duvido que haja 10% de professores ou falantes letrados que profiram o dito futuro (aplicarei minha poupança em ações da empresa X). Todos dizem "vou aplicar". Outro exemplo? Quase ninguém diz "nós". Diz-se "a gente". Como pouco se diz "tu", exceto em algumas regiões, a conjugação verbal do futuro é
Eu vou aplicar
Você vai aplicar
Ele/ela vai aplicar
A gente vai aplicar
Vocês vão aplicar
Eles/elas vão aplicar.
Ou não é? Quem não fala assim que atire a primeira pedra. Não vou dizer (!!) que todos falam sempre assim porque sei que uma língua sempre apresenta variação. Alguns entrevistados, ou jornalistas, dirão (!!), talvez, de vez em quando, no meio da conversa, "falaremos disso na próxima entrevista", claro, sendo mais formais. Em compensação, alguns também dirão "vamo falá disso na próxima veiz", sendo bem mais informais. E ninguém nota que falou errado durante a entrevista. Por que? Porque ninguém fala errado mesmo! Isso não é erro. Esse é o português falado culto do Brasil hoje. É um fato. Só isso.
Numa certa ocasião, fui entrevistado por uma emissora de TV (eu no estúdio e um folclorista em outra cidade). Argumentava que a linguagem popular não tinha nada de errado, era só diferente, e era enfrentado pela apresentadora que "defendia nossa língua". Para dobrá-la, só me restou um recurso: ficar atento ao que ela dizia e citar os "erros" que ela ia cometendo, segundo os próprios critérios dela. Ficou meio sem jeito, e eu tive que insistir que ela falava corretamente... o português real (e que aquele que ela defendia não existe mais, pelo menos na fala).
O que muita gente não entende - ou não quer entender, porque significaria perder uma boa teta! - é que a variação tem tudo a ver com a mudança. Todos acham normal que aquila tenha derivado para águia, que asinus tenha derivado para asno (tem muita coisa mudada aí, mas o básico é que a palavra latina proparoxítona se torna paroxítona), mas acha ridículas formas como fosfro (parafósforo), corgo (para córrego), xicra e chacra (para xícara e chácara), embora a regra antiga que explica a mudança e a atual que explica a variação sejam a rigor a mesma (os falantes seguem regras, não erram!!!), sem contar que dizem, numa boa, sem se dar conta do que fazem, xicrinha e chacrinha. Quá!
Variação tem tudo a ver com mudança. Mas, se entendêssemos isso, muita gente perderia uma grana preta!!
Pode até ser que o preconceito racial diminua com o tempo ou que venha a se manifestar de forma diferente, menos agressiva, mais "cordial" (como sugere o caderno especial da Folha de 23/11/2008). Mas o preconceito linguístico está mais firme do que nunca (mais ou menos sutil): Fernando de Barros e Silva escreveu na Folha (24/11/2008) que o "pobrema" é mais embaixo. Por que uma forma lingüística popular representa um problema mais embaixo? É lá embaixo que está o povo? E o colunista diz isso logo em uma época em que ficou claro que o problema é bem mais em cima!!
A FSP, aliás, é useira e vezeira em referir-se a autoridades menos letradas como "otoridade" e a políticos nordestinos como aqueles que exercem o "pudê". Não se dá conta do que há nisso de preconceito? E de burrice?
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AUTOR DISCUTE O CERTO E O ERRADO DA LÍNGUA FALADA
Jornal do Commercio,
Recife, 29 de outubro de 1998.
Recife, 29 de outubro de 1998.
Marcos Bagno, mineiro de Cataguases, que já morou no Recife e atualmente está radicado em São Paulo, lança hoje, às 9h30, no auditório do Centro de Artes e Comunicação da UFPE, o livro A Língua de Eulália, uma novela sociolinguística publicada pela Editora Contexto. Bagno iniciou sua carreira como escritor em 1988 ao receber o IV Prêmio Bienal Nestlé de Literatura pelo livro de contos A Invenção das Horas (Editora Scipione). Vieram, em seguida, outros livros, a maioria deles dedicados ao público infanto juvenil - um total de 20 títulos. O autor foi detentor também de outros prêmios representativos como o João de Barro (literatura infantil, 1988), Cidade do Recife (poesia, 1988), Cidade de Belo Horizonte (contos, 1988), Estado do Paraná (contos, 1989) e Carlos Drummond de Andrade (poesia, 1989). Nessa entrevista, Marcos Bagno fala seu novo trabalho, um livro que vem provocando boas discussões sobre o que é "falar certo e falar errado".
Que tipo de livro é A Língua de Eulália?
Bagno - É um livro sobre alguns problemas de ensino da língua portuguesa, e principalmente um livro sobre o preconceito linguístico que impera na nossa sociedade contra as pessoas que falam uma língua diferente da ensinada nas escolas. Para tornar a leitura mais agradável e fácil para não-especialistas, decidi abordar esses temas na forma de uma narrativa romanceada, com peripécias de enredo e personagens dinâmicos, que falam muito o tempo todo.
Daí o subtítulo novela sociolinguística?
Bagno - Exatamente. Novela porque conta uma história, e sociolinguística porque trata de questões que têm a ver com a relação entre a língua que a gente fala e a organização da sociedade em que a gente vive.
Em que consiste o preconceito linguístico que você citou há pouco?
Bagno - O preconceito linguístico é um conjunto de ideias distorcidas que se baseia no mito de que só existe uma única língua portuguesa digna deste nome e que seria a língua ensinada nas escolas, prescrita nas gramáticas e compendiada nos dicionários. Qualquer manifestação linguística que escape desse domínio escolar-normativo é considerada, pelo preconceito linguístico, errada, feia, estropiada, rudimentar, deficiente, e não é raro a gente ouvir que "isso não é português".
O livro fala o tempo todo em "português padrão" e "português não-padrão". Como você explica estes conceitos?
Bagno - O português padrão é a língua falada pelas pessoas que detêm o poder político e econômico e estão nas classes sociais mais privilegiadas, que nós sabemos que são uma pequena minoria na população do Brasil, país que detém o triste recorde mundial de pior distribuição da riqueza nacional entre as camadas sociais.
Daí o subtítulo novela sociolinguística?
Bagno - Exatamente. Novela porque conta uma história, e sociolinguística porque trata de questões que têm a ver com a relação entre a língua que a gente fala e a organização da sociedade em que a gente vive.
Em que consiste o preconceito linguístico que você citou há pouco?
Bagno - O preconceito linguístico é um conjunto de ideias distorcidas que se baseia no mito de que só existe uma única língua portuguesa digna deste nome e que seria a língua ensinada nas escolas, prescrita nas gramáticas e compendiada nos dicionários. Qualquer manifestação linguística que escape desse domínio escolar-normativo é considerada, pelo preconceito linguístico, errada, feia, estropiada, rudimentar, deficiente, e não é raro a gente ouvir que "isso não é português".
O livro fala o tempo todo em "português padrão" e "português não-padrão". Como você explica estes conceitos?
Bagno - O português padrão é a língua falada pelas pessoas que detêm o poder político e econômico e estão nas classes sociais mais privilegiadas, que nós sabemos que são uma pequena minoria na população do Brasil, país que detém o triste recorde mundial de pior distribuição da riqueza nacional entre as camadas sociais.
E quem fala o português não-padrão?
Bagno - O português não-padrão é a língua da grande maioria pobre e dos analfabetos do nosso povo. É também, conseqüentemente, a língua das crianças pobres e carentes que freqüentam as escolas públicas. Por ser utilizado por pessoas de classes sociais desprestigiadas, marginalizadas e oprimidas pela terrível injustiça social que impera no Brasil, o português não-padrão é vítima dos mesmos preconceitos que pesam sobre essas pessoas. Ele é considerado "feio", "deficiente", "errado", "rude", "tosco", "estropiado", idéias que resultam da simples ignorância dos mecanismos que governam a língua não-padrão.
Bagno - O português não-padrão é a língua da grande maioria pobre e dos analfabetos do nosso povo. É também, conseqüentemente, a língua das crianças pobres e carentes que freqüentam as escolas públicas. Por ser utilizado por pessoas de classes sociais desprestigiadas, marginalizadas e oprimidas pela terrível injustiça social que impera no Brasil, o português não-padrão é vítima dos mesmos preconceitos que pesam sobre essas pessoas. Ele é considerado "feio", "deficiente", "errado", "rude", "tosco", "estropiado", idéias que resultam da simples ignorância dos mecanismos que governam a língua não-padrão.
E isso é grave para a educação?
Bagno - Gravíssimo. Esses preconceitos fazem com que a criança que chega à escola falando o português não-padrão seja considerada uma "deficiente" linguística, quando na verdade ela simplesmente fala uma língua diferente daquela que é ensinada na escola.
Isso explicaria por que tantas crianças pobres acabam abandonando a escola?
Bagno - Em parte, sim, junto com os fatores econômicos que as obrigam a trabalhar muito cedo para ganhar a vida, impedindo-as de continuar na escola por serem desprezadas, por não terem seus direitos lingüísticos reconhecidos como tais, por serem obrigadas a assimilar conceitos veiculados numa variedade de português que é estranha para elas, essas crianças não encontram nenhum estímulo para prosseguir seus estudos.
Tudo por causa do mito da língua única?
Bagno - Sim. A escola não reconhece a existência de uma multiplicidade de variedades de português e tenta importar a variedade padrão sem procurar saber em que medida ela é, na prática, uma "língua estrangeira" para muitos alunos. Imagine que você não sabe nadar e matricula-se num curso de natação. Na primeira aula, você e todos os outros alunos são jogados, sem boia, no lado fundo da piscina. Aqueles que já souberem nadar conseguirão se salvar e prosseguirão no curso. Os que não souberem, terão que se debater até chegar à beira da piscina e serão mandados embora. Outros, quem sabe, até morrerão afogados. É um método de ensino completamente absurdo! Mas é assim que acontece na escola. Nosso sistema educacional valoriza aquelas crianças que já chegam à escola trazendo na sua bagagem linguística o português padrão, e expulsa as que não o trazem. Isso é uma grande injustiça, porque é exatamente esse português padrão que deveria ser ensinado na escola, porque ele dá acesso aos mecanismos de ascensão social. A escola cobra na entrada o que ela mesma deveria dar na saída.
Quer dizer que as pessoas não escolarizadas falam um português "diferente" e não um português "errado"?
Bagno - Exato. Com base no conhecimento das diferenças que existem entre as duas variedades de português talvez pudéssemos perceber melhor as dificuldades que surgem para o aluno que tem de aprender a variedade padrão. Poderíamos também, quem sabe, traçar novas estratégias de ensino, fugir da tradicional, que é autoritária e intolerante para com o que é diferente. Se todos compreendessem que o português não-padrão é uma língua como qualquer outra, com regras coerentes com uma lógica linguística perfeitamente demonstrável, talvez fosse possível abandonar os preconceitos que vigoram hoje em dia no nosso ensino de língua materna.
Então é possível escrever uma "gramática do português não-padrão", do mesmo modo como existem as gramáticas do português padrão?
Bagno - É perfeitamente possível.
O seu livro é essa gramática?
Bagno - Não, nem de longe. Uma gramática do português não-padrão é um trabalho para muitos e muitos anos, e para toda uma equipe de cientistas da linguagem. Minha intenção com A Língua de Eulália é mais modesta. Quero apenas contribuir para que o português não-padrão deixe de ser visto como uma língua "errada" falada por pessoas intelectualmente "inferiores" e passe a ser encarado como aquilo que ele realmente é: uma língua bem organizada, coerente e funcional.
Você quer que a escola pare de ensinar o português padrão?
Bagno - De modo nenhum! Em hipótese alguma eu reivindicaria a substituição da norma padrão pela norma não-padrão como objeto de ensino. A existência de uma variedade padrão é desejável e necessária para que exista um meio de expressão comum a todas as pessoas cultas de um país. O que eu reivindico, isso sim, é que ela não seja ensinada como a única variedade existente, mas como outra variedade, mais uma que a pessoa poderá usar, enriquecendo assim sua bagagem linguística.
Que tipo de diferenças entre o português padrão e o não-padrão você aborda no livro?
Bagno - Por exemplo, eu explico que a transformação de L em R nos encontros consonantais - como em Cráudia, chicrete, grobo, pranta - não é um "defeito de fala" nem tampouco um traço de "atraso mental" dos falantes do português não-padrão, mas simplesmente um fenômeno fonético que contribuiu para a formação da própria língua portuguesa padrão. As pessoas que dizem Cráudia, grobo, chicrete, pranta estão apenas dando livre curso à mesma tendência fonética que fez, por exemplo, com que o latim fluxu desse em português frouxo, com um R bem nítido, que plaga desse praga, que sclavu desse escravo, que blandu desse brando, que flaccu desse fraco, que gluten desse grude, que o germânico blank desse em português branco, que o provençal plata desse em português prata, entre tantos outros exemplo. Se fôssemos pensar que as pessoas que dizem Cráudia, chicrete e pranta têm algum "defeito de fala", seríamos forçados a admitir que toda a população da província romana da Lusitânia também tinha esse mesmo defeito na época em que a língua portuguesa estava se formando com base no latim vulgar. E que Camões também sofria desse mesmo mal, já que ele escreveu ingrês, pubricar, pranta, frauta, frecha na obra que é considerada o maior monumento do português literário clássico, o poema Os Lusíadas. E isso, é "craro", seria no mínimo absurdo. No entanto, eu vi, apavorado, um programa de televisão chamado "Nossa Língua Portuguesa" classifcar esse fenômeno de "defeito de fala", sugerindo até uma "terapia fonoaudiológica" para "consertá-lo"!
Bagno - Gravíssimo. Esses preconceitos fazem com que a criança que chega à escola falando o português não-padrão seja considerada uma "deficiente" linguística, quando na verdade ela simplesmente fala uma língua diferente daquela que é ensinada na escola.
Isso explicaria por que tantas crianças pobres acabam abandonando a escola?
Bagno - Em parte, sim, junto com os fatores econômicos que as obrigam a trabalhar muito cedo para ganhar a vida, impedindo-as de continuar na escola por serem desprezadas, por não terem seus direitos lingüísticos reconhecidos como tais, por serem obrigadas a assimilar conceitos veiculados numa variedade de português que é estranha para elas, essas crianças não encontram nenhum estímulo para prosseguir seus estudos.
Tudo por causa do mito da língua única?
Bagno - Sim. A escola não reconhece a existência de uma multiplicidade de variedades de português e tenta importar a variedade padrão sem procurar saber em que medida ela é, na prática, uma "língua estrangeira" para muitos alunos. Imagine que você não sabe nadar e matricula-se num curso de natação. Na primeira aula, você e todos os outros alunos são jogados, sem boia, no lado fundo da piscina. Aqueles que já souberem nadar conseguirão se salvar e prosseguirão no curso. Os que não souberem, terão que se debater até chegar à beira da piscina e serão mandados embora. Outros, quem sabe, até morrerão afogados. É um método de ensino completamente absurdo! Mas é assim que acontece na escola. Nosso sistema educacional valoriza aquelas crianças que já chegam à escola trazendo na sua bagagem linguística o português padrão, e expulsa as que não o trazem. Isso é uma grande injustiça, porque é exatamente esse português padrão que deveria ser ensinado na escola, porque ele dá acesso aos mecanismos de ascensão social. A escola cobra na entrada o que ela mesma deveria dar na saída.
Quer dizer que as pessoas não escolarizadas falam um português "diferente" e não um português "errado"?
Bagno - Exato. Com base no conhecimento das diferenças que existem entre as duas variedades de português talvez pudéssemos perceber melhor as dificuldades que surgem para o aluno que tem de aprender a variedade padrão. Poderíamos também, quem sabe, traçar novas estratégias de ensino, fugir da tradicional, que é autoritária e intolerante para com o que é diferente. Se todos compreendessem que o português não-padrão é uma língua como qualquer outra, com regras coerentes com uma lógica linguística perfeitamente demonstrável, talvez fosse possível abandonar os preconceitos que vigoram hoje em dia no nosso ensino de língua materna.
Então é possível escrever uma "gramática do português não-padrão", do mesmo modo como existem as gramáticas do português padrão?
Bagno - É perfeitamente possível.
O seu livro é essa gramática?
Bagno - Não, nem de longe. Uma gramática do português não-padrão é um trabalho para muitos e muitos anos, e para toda uma equipe de cientistas da linguagem. Minha intenção com A Língua de Eulália é mais modesta. Quero apenas contribuir para que o português não-padrão deixe de ser visto como uma língua "errada" falada por pessoas intelectualmente "inferiores" e passe a ser encarado como aquilo que ele realmente é: uma língua bem organizada, coerente e funcional.
Você quer que a escola pare de ensinar o português padrão?
Bagno - De modo nenhum! Em hipótese alguma eu reivindicaria a substituição da norma padrão pela norma não-padrão como objeto de ensino. A existência de uma variedade padrão é desejável e necessária para que exista um meio de expressão comum a todas as pessoas cultas de um país. O que eu reivindico, isso sim, é que ela não seja ensinada como a única variedade existente, mas como outra variedade, mais uma que a pessoa poderá usar, enriquecendo assim sua bagagem linguística.
Que tipo de diferenças entre o português padrão e o não-padrão você aborda no livro?
Bagno - Por exemplo, eu explico que a transformação de L em R nos encontros consonantais - como em Cráudia, chicrete, grobo, pranta - não é um "defeito de fala" nem tampouco um traço de "atraso mental" dos falantes do português não-padrão, mas simplesmente um fenômeno fonético que contribuiu para a formação da própria língua portuguesa padrão. As pessoas que dizem Cráudia, grobo, chicrete, pranta estão apenas dando livre curso à mesma tendência fonética que fez, por exemplo, com que o latim fluxu desse em português frouxo, com um R bem nítido, que plaga desse praga, que sclavu desse escravo, que blandu desse brando, que flaccu desse fraco, que gluten desse grude, que o germânico blank desse em português branco, que o provençal plata desse em português prata, entre tantos outros exemplo. Se fôssemos pensar que as pessoas que dizem Cráudia, chicrete e pranta têm algum "defeito de fala", seríamos forçados a admitir que toda a população da província romana da Lusitânia também tinha esse mesmo defeito na época em que a língua portuguesa estava se formando com base no latim vulgar. E que Camões também sofria desse mesmo mal, já que ele escreveu ingrês, pubricar, pranta, frauta, frecha na obra que é considerada o maior monumento do português literário clássico, o poema Os Lusíadas. E isso, é "craro", seria no mínimo absurdo. No entanto, eu vi, apavorado, um programa de televisão chamado "Nossa Língua Portuguesa" classifcar esse fenômeno de "defeito de fala", sugerindo até uma "terapia fonoaudiológica" para "consertá-lo"!
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sábado, 4 de dezembro de 2010
Tropa de Linguística
Aproveitando o grande sucesso do filme "Tropa de Elite" nos cinemas (e no "comércio informal" de mídia), um grupo de alunos da disciplina de Linguística e Comunicação da FABICO/UFRGS abordou, com propriedade e de maneira criativa, o tema do preconceito linguístico, em uma adaptação livre de uma cena daquela produção. Confira:
Publicado no blog de Leandro Rodrigues em 16/12/2007
Publicado no blog de Leandro Rodrigues em 16/12/2007
"As escorregada "
Ao ver alguma figura importante falando na TV como, por exemplo, o presidente Lula, esperamos que ele fale o português mais correto possível, o que chamamos de norma culta, afinal ele está representando o país e não pode passar (ou nos deixar passar) vergonha.
Nesse vídeo do www.youtube.com, Lula é estigmatizado por todos por não falar o plural da forma correta (entre outros “erros”), e as pessoas se deliciam ao ver uma personalidade importante cometendo erros tidos como absurdos. Lula sofre preconceitos de todos os tipos, desde o social, pois vem de uma classe social baixa, até o preconceito linguístico, que advém do próprio preconceito social.
O que muitas pessoas não sabem é que o português falado é diferente do português escrito.
Quando corrigimos alguém que fala “os livro tão caro”, ao invés de “os livros estão caros”, estamos, em primeiro lugar, nos baseando somente no que diz a gramática. Gramática que serve apenas para nos auxiliar na escrita do português, e não na fala dele! E em segundo lugar, estamos sendo hipócritas, pois por mais que a gente pense que fale “os livros estão caros”, estamos enganados; faça o teste, preste atenção na maneira como você fala e verá o que acontece realmente. Há essa supressão porque a língua não sente a necessidade de marcar o plural em todos os elementos da frase. A presença do “s” no artigo é suficiente para marcar o plural, não causando nenhuma confusão: todos sabem que quando alguém diz “os livro tão caro”, quer dizer que mais de um livro está caro.
No inglês, por exemplo, para indicar o plural, basta que uma palavra esteja marcada, como na frase: The books are expensive (os livros estão caros), em que somente “book” está sinalizando que a frase está no plural. Há essa diferença por convenção. Foi convencionado que na Língua Portuguesa (escrita) é preciso ser feita a marcação de plural em todas as palavras da frase, enquanto que, na Língua Inglesa, foi convencionado o contrário. Não querendo dizer, entretanto, que tenhamos que falar da mesma maneira, já que na fala não sentimos a mesma necessidade que na escrita.
Portanto, não existe o “falar corretamente”. Todos que falam português, falam da maneira certa, pois se não fosse assim, as pessoas não se entenderiam entre elas, o que não acontece. Por mais que a pessoa diga “os livro tão caro” ou “pobrema” ela vai ser entendida pelos outros, com os quais está se comunicando, sem nenhum tipo de confusão ou estranhamento.
Publicado no blog de Leandro Rodrigues em 28/11/2007
Publicado no blog de Leandro Rodrigues em 28/11/2007
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Quem fala errado é burro?
Sob a ótica do preconceito linguístico, qualquer manifestação linguística que escape do triângulo escola-gramática-dicionário é considerada "errada", e não é raro a gente ouvir que "isso não é português".
Um exemplo, na visão preconceituosa da língua, é a transformação de "L" em "R" nos encontros consonantais como em Creusa, chicrete, praca e pranta onde a pessoa que assim fala é extremamente estigmatizada, sendo considerada, às vezes, como "atrasada mental".
Estudando cientificamente a questão, é fácil descobrir que não estamos diante de um traço de "atraso mental" dos falantes "ignorantes", mas simplesmente diante de um fenômeno fonético que contribuiu para a formação da própria língua portuguesa padrão.
Observem o quadro:
Português Padrão | Etimologia | Origem |
Branco | Blank | Germânico |
Escravo | Sclavo | Latim |
Praga | Plaga | Latim |
Prata | Plata | Provençal |
Como podemos notar, todas as palavras do português-padrão listadas acima tinham, na sua origem, um "L" bem nítido que se transformou em "R". E agora? Se acreditássemos que as pessoas que dizem Creusa, chicrete e pranta têm algum "defeito" ou "atraso mental", seríamos forçados a admitir que toda a população da província romana da Lusitânia também tinha esse mesmo problema na época em que a língua portuguesa estava se formando. E que Luiz de Camões também sofria desse mesmo mal, já que ele escreveu ingrês, pubricar, frauta, frecha, na sua obra que é considerada até hoje o maior monumento literário do português clássico: Os Lusíadas.
Este fenômeno que participou, inclusive, da formação da língua portuguesa padrão, chama-se rotacismo, e ele continua vivo e atuante no português não-padrão, porque essa variante deixa que as tendências normais e inerentes à língua se manifestem livremente.
Burrice, isso sim, é julgar sem ter conhecimento prévio, sem base cientifica, sem argumentos plausíveis. Falar "errado" não é sinal de burrice, como muitos acreditam, aliás, o que é falar errado? Falar diferente não pode ser considerado errado. É aí que está o preconceito.
Publicado no blog de Leandro Rodrigues em 28/11/2007
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A Mídia e a Difusão do Preconceito
A cada dia que passa, nos encontramos na situação de testemunhas do preconceito linguístico. Isso, claro, se não somos nós mesmos alvos desse preconceito ou até mesmo responsáveis por ele. Mas não há novidade nisso. O preconceito linguístico é um problema da sociedade, enraizado no sistema de educação atual e na formação de nossos professores, isto já nos é sabido. Mas será que é só isso?
Esse trabalho para a cadeira de linguística possibilitou uma reflexão mais aprofundada a respeito do Preconceito Linguístico. Infelizmente foi muito fácil acharmos exemplos para postarmos no blog. Isso mostra como a ideia de que existe uma língua única e correta está enraizada em nossa sociedade. Podemos ver também que a mídia não ajuda. Pode-se ligar a televisão a qualquer hora do dia, e teremos um sem número de exemplos de estigmas sociais difundidos pelos programas, novelas e filmes exibidos naquele momento. Esse meio que poderia ser tão importante para amenizar o problema, acaba por reafirmar que existem "pessoas ignorantes" que "falam errado". O processo de conscientização sobre o problema que é o preconceito linguístico é lento, infelizmente. Mas em contraparte, bastam alguns minutos em frente à TV, por exemplo, para que o preconceito atinja centenas de pessoas. A mídia atualmente promove o preconceito, e o faz de forma desenfreada e inconsciente (esperemos). Essa difusão é tão grave quanto o preconceito em si, pois diminui as possibilidades da população adquirir consciência sobre o erro que comete.
Em seu programa de talk-show, Jô Soares, antes de entrevistar seus convidados, faz uma série de comentários e piadas sobre os considerados “erros de português” e ortografia, arrancando risadas do auditório. Em um longa-metragem americano, as personagens não nascidas nos EUA que falam inglês são, por seu sotaque, estigmatizados como não sendo capazes de falar uma língua que não a sua. Em um programa de rádio, o grupo de locutores do Pânico caçoa de ouvintes por possíveis erros do bom português, quando não criticam uns aos outros, tendo mesmo entre eles uma pessoa marcada pela ideia de falta de inteligência, Sabrina Sato.
O Preconceito Social e Linguístico só pode acabar quando todos percebermos a responsabilidade que temos para com ele. E essa responsabilidade somente chegará às pessoas através dos meios de comunicação, da mídia. É o papel de facilitar mudanças sociais que compõe a ideia da Comunicação Social, é esta a ferramenta. O problema não está no Jô Soares, no diretor de filme americano ou nos garotos do Pânico, e sim na forma como nós vemos uns aos outros e lidamos com as diferenças. Na minha opinião (que talvez expresse a opinião do blog) são os profissionais da educação e da comunicação de hoje que poderão colaborar para com o fim do preconceito amanhã.
Em seu programa de talk-show, Jô Soares, antes de entrevistar seus convidados, faz uma série de comentários e piadas sobre os considerados “erros de português” e ortografia, arrancando risadas do auditório. Em um longa-metragem americano, as personagens não nascidas nos EUA que falam inglês são, por seu sotaque, estigmatizados como não sendo capazes de falar uma língua que não a sua. Em um programa de rádio, o grupo de locutores do Pânico caçoa de ouvintes por possíveis erros do bom português, quando não criticam uns aos outros, tendo mesmo entre eles uma pessoa marcada pela ideia de falta de inteligência, Sabrina Sato.
O Preconceito Social e Linguístico só pode acabar quando todos percebermos a responsabilidade que temos para com ele. E essa responsabilidade somente chegará às pessoas através dos meios de comunicação, da mídia. É o papel de facilitar mudanças sociais que compõe a ideia da Comunicação Social, é esta a ferramenta. O problema não está no Jô Soares, no diretor de filme americano ou nos garotos do Pânico, e sim na forma como nós vemos uns aos outros e lidamos com as diferenças. Na minha opinião (que talvez expresse a opinião do blog) são os profissionais da educação e da comunicação de hoje que poderão colaborar para com o fim do preconceito amanhã.
Publicado no blog de Leandro Rodrigues em 29/11/2007
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Preconceito linguístico
Preconceito Linguístico na mídia
Na sociedade atual, só a mídia é capaz de nos fornecer um relatório rápido e completo dos acontecimentos que se produzem à nossa volta. Seu papel é obter a informação, triá-la, interpretá-la e em seguida fazê-la circular. Ninguém possui conhecimento direto do conjunto do globo. Além de sua experiência pessoal, o que se sabe provém da escola, de conversas, mas, sobretudo da mídia. Para o homem comum, a maior parte das regiões, das pessoas, dos assuntos dos quais a mídia não fala, não existem. Na sociedade de massa, o entretenimento é mais indispensável do que antigamente para diminuir as tensões que ameaçam levar à doença ou à loucura. Para a mídia, o usuário solicita, sobretudo um divertimento e esta função combina-se eficazmente com todas as outras. As funções dos meios de comunicação em nosso mundo são indiscutivelmente importantes. E como lhes são frequentemente atribuídos poderes imensos, são acusados à direita e à esquerda, no Norte e no Sul, pelos poderosos e pelos humildes, pelos velhos e pelos jovens de todos os males da sociedade moderna. De modo geral, admite-se que podem exercer forte influência, em longo prazo, se a mensagem for homogênea, e, sobretudo se eles forem num sentido segundo o qual os usuários querem ir. Um dos meios de comunicação que mais se destaca é a televisão. Surgiu no Brasil, em 1959 e adaptou-se a algumas transformações sociais. Ver televisão é um costume que já está incorporado à vida de todos nós, seja para nos informar, através dos noticiários, seja para nos entreter, com filmes, desenhos, novelas, programas humorísticos, entre outros. Por esse motivo, nem sempre prestamos muita atenção nas várias ideias que ela também veicula: dita padrões de comportamento, lança modas e gírias, cria hábitos de consumo, molda a opinião pública, estabelece padrões morais e estéticos, transmite valores e crenças e reforça a ideia do preconceito linguístico. Dos programas cujo objetivo é o entretenimento, os humorísticos merecem especial atenção. Por eles, os modelos de moral, de ética e de respeito são passados. A grande maioria dos programas exibidos pauta-se no clássico chavão de expor ao ridículo uma imagem estereotipada. Comportamento sexual, orientações sexuais, preconceito regional, linguístico, étnico, associação de classes menos favorecidas ou de categorias profissionais à ignorância, relação entre a velhice a impotência total, seja sexual seja de discernimento, são pontos de partida para a criação de supostos tipos sociais e a partir deles, a criação do que chamam de humor. Segundo MARCONDES (2003): Esses são clichês explorados ao máximo, reafirmando preconceitos, ou de todos os preconceitos. O humor quase que totalmente limitado a bordões. Isso quando ele não explora a vida privada de uma pessoa pública. No programa Zorra Total (da TV Globo) em especial o quadro da personagem GISLAINE chama atenção quanto ao modo de falar: “... pobre fala: Eu vô na fera compra murangu i vô coloca na sacola di prásticu...” “... pobre só tem pobrema: pobrema de duença, pobrema di dinhero. Então junta tudo e joga fora...” Esse quadro humorístico, “Gislaine”, enfatiza o preconceito linguístico por meio do humor, incentiva a discriminação, não respeitando as diferenças, expondo ao ridículo o pobre e aquele que fala fora dos padrões da norma culta. Conclui-se que o preconceito linguístico está presente na sociedade de forma implícita e natural. Este é aceito pela comunidade, que transita, sem perceber, pela tênue fronteira entre língua como mecanismo de identificação e língua como mecanismo de poder. A mídia tenta a todo custo incutir ideias a serem seguidas e não discutidas, vemos com clareza a exploração política e econômica, mas não enxergamos prontamente a dominação da língua. Tratar de língua é uma questão política, já que também é tratar de seres humanos. Temos de fazer um grande esforço para não incorrer no erro milenar dos gramáticos tradicionalistas de estudar a língua como uma coisa morta, sem levar em consideração as pessoas vivas que as falam. A língua está sempre em mutação, em constante transformação, e a gramática normativa é a tentativa de descrever apenas uma parcela mais visível, a chamada norma culta. Essa descrição é claro tem seu valor e seus méritos, mas é parcial e não pode ser autoritariamente aplicada a todo o resto da língua. É necessário analisar de modo crítico o que vemos e ouvimos, para que não sejamos manobrados, colaborando para reforçar o preconceito linguístico. A questão é ensinar aos falantes da língua a valorizar, defender seu idioma enquanto instrumento de cultura. O ideal é ser “Um poliglota dentro de sua própria língua”, como afirma Bechara. Adriana Braga é formada em Letras e pós-graduada em Linguística Aplicada à Língua Portuguesa. |
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sexta-feira, 3 de dezembro de 2010
Bagno: "Precisamos letrar os professores"
Entrevista concedida por Marcos Bagno ao Jornal do Commercio de Recife, em 25/4/10
JORNAL DO COMMERCIO – O que mais contribuiu para disseminar o preconceito linguístico no Brasil? A escola ou a mídia?
MARCOS BAGNO – Sem dúvida nenhuma, os principais veículos de difusão e perpetuação do preconceito linguístico são os meios de comunicação. Enquanto as diretrizes oficiais de ensino, em consonância com as pesquisas mais avançadas da linguística e da pedagogia, preconizam uma abordagem da língua mais democrática, mais respeitosa da diversidade linguística e social, os meios de comunicação, sempre muito vinculados às classes dominantes e a seus valores e ideologias, continuam apregoando um modelo de “correção” linguística que não corresponde sequer à prática dos nossos melhores escritores nos últimos cem anos, nem tampouco ao que é registrado nas boas gramáticas normativas e nos dicionários bem conceituados. Esses “comandos paragramaticais”, como eu os chamo, tentam impor um modelo de língua “certa” que é extremamente anacrônico, pré-modernista quase. Há portanto um divórcio entre o que se produz nas universidades, o que se propõe oficialmente como ensino de língua para as escolas e o que se estampa nos jornais, nas revistas, o que aparece na televisão, no rádio, na internet. Embora alguns meios de comunicação deem espaço a um discurso mais avançado sobre língua e linguagem, isso representa uma gota d’água num oceano de manifestações da mídia profundamente retrógradas no que diz respeito à língua e a seu ensino.
JC – No seu livro A norma oculta você afirma que não existe preconceito linguístico, na verdade o preconceito é social. Em que se baseia essa afirmação?
BAGNO – O preconceito linguístico é um disfarce amplamente aceito para que uma pessoa seja discriminada e excluída dos bens sociais aos quais teria direito pelo simples fato de ser um cidadão. Como existe uma crença generalizada de que existe uma única maneira “certa” de falar, de que as pessoas não escolarizadas falam “tudo errado”, essas alegações de base linguística servem como desculpa para que a pessoa seja discriminada, quando na verdade ela é discriminada porque é pobre, porque é negra, porque é mulher, porque vem de uma região geográfica desprestigiada, porque exerce uma profissão pouco valorizada. Muitas vezes um mesmo suposto “erro” é condenado quando é produzido por uma pessoa sem prestígio social e perdoado como “licença poética” por uma pessoa provinda das classes privilegiadas. As pesquisas mostram que as diferenças entre a fala de uma pessoa altamente letrada e a fala de uma pessoa analfabeta são mínimas, mas essas mínimas diferenças servem como razão suficiente para que a pessoa que já desprestigiada sofra ainda mais discriminação.
JC – Você enfrenta preconceitos por defender as variedades linguísticas? De onde vêm as críticas mais aguçadas?
BAGNO – Como a defesa da variação linguística é, antes de tudo, uma tomada de posição política, as principais críticas provêm dos setores mais reacionários, da direita brasileira, que hoje tem notórios representantes nos meios de comunicação. No entanto, recebo incomparavelmente mais apoio dos milhões de pessoas que em sua experiência de vida sofreram ou sofrem com o preconceito linguístico e encontram no que eu escrevo uma base teórica para defender seus direitos.
JC – O ensino de língua portuguesa na educação básica tem se adequado para ensinar o aluno a lidar com as diferenças linguísticas ou a gramática ainda é o centro das atenções nas escolas?
BAGNO – Apesar de todos os avanços das ciências da linguagem e da educação e da incorporação das propostas de ensino mais progressistas nas diretrizes oficiais, a prática de sala de aula ainda é muito conservadora, inspirada na crença falaciosa de que é preciso transmitir na íntegra toda a nomenclatura gramatical tradicional para ser decorada como um fim em si mesma, sem nenhuma demonstração da relevância desse aprendizado para a formação cultural do aprendiz. O grande problema está nos cursos de formação de professores, que se mantêm apegados a uma estrutura acadêmica rançosa, criada no século XIX, que não se adequou ainda ao mundo contemporâneo. Os cursos de Letras deveriam ser implodidos para, no lugar deles, serem criados novos cursos, mais sintonizados com o que deve de fato constar na formação de professores de língua neste século XXI.
JC – Haveria um modelo ideal de ensino de Língua Portuguesa?
BAGNO – O que eu defendo é o que vem sendo proposto por centenas de pessoas, há mais de 30 anos, no Brasil e no resto do mundo: as aulas de língua materna têm que se destinar, antes de mais nada, à inserção dos aprendizes na cultura letrada, e isso se faz por meio da leitura, da escrita, da leitura, da escrita e principalmente da leitura e da escrita. Enquanto nossos professores acharem que é preciso ensinar dígrafo, oxítonas, preposições, oração subordinada substantiva objetiva direta reduzida de infinitivo, epiceno e outras coisas cabalísticas desse tipo, nossa educação linguística continuará catastrófica como já está. Outro problema é que temos muitos e muitos professores incapazes de ensinar a ler e a escrever adequadamente porque eles mesmos não têm domínio suficiente da cultura letrada na qual deveriam inserir seus alunos. Temos, antes de tudo, que letrar os nossos professores.
JC – Essa história de que linguista defende que não há “certo” e “errado” em português é correta? Vale tudo no uso da língua?
BAGNO – Dizer que os linguistas são os apóstolos do “vale-tudo” é fruto ou da ignorância ou da má-fé. Nenhum linguista sensato jamais disse que não é preciso ensinar aos alunos as formas privilegiadas, normatizadas de uso da língua. O que dizemos é que essas não são as únicas formas válidas de uso da língua e que é preciso abordar em sala de aula a multiplicidade de usos idiomáticos que existe na sociedade. No entanto, como nossa sociedade só consegue pensar em termos de sim/não, preto/branco, certo/errado, um discurso que contemple a variação, a noção de pluralidade de falas, não consegue penetrar no senso comum.
JC – A discussão sobre variação linguística e preconceito linguístico está difundida na sociedade?
BAGNO – Bem menos do que seria desejável, bem menos do que a noção antiga e estúpida de que existe um modo “certo” de falar e que tudo o que difere dele é necessariamente errado. No entanto, como na formação dos professores nas boas universidades (apesar de nem sempre de modo adequado) a discussão sobre a variação linguística já se faz de maneira permanente, creio que em breve teremos algum reflexo desse debate também na sociedade. (A.T.)
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