segunda-feira, 20 de abril de 2009

PAIDRASTOS

Paidrastos: eles educam,dão carinho e são eleitos os grandes amigos dos enteados


José Igor convive com o pai postiço Leandro desde os dois anos e agora ajuda a cuidar do irmãozinho Isaque, de cinco meses. Foto: Henrique Gasper/Divulgação

Afinidades eletivas
Padrastos ganham espaço de protagonistas na vida de enteados nas relações construídas baseadas no respeito, no afeto e na superação de conflitos cotidianos
Pollyanna Diniz //Diário
pollyannadiniz.pe@diariosassociados.com.br

A fotografia pendurada na parede ainda é da família, mas no formato contemporâneo.
No retrato, há espaço para os filhos da esposa, os filhos do marido, os filhos em comum. Os números mais atualizados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) comprovam essa realidade já percebida nas casas. Em 2006, o número de casamentos cresceu 6,5% em relação ao ano anterior. As separações também estão mais comuns. No Nordeste, elas aumentaram 5,1%. Mesmo que, muitas vezes, só os casos ruins ganhem projeção nacional (como a história da menina estuprada pelo marido da mãe), a relação entre padrastos e enteados nem sempre é conturbada. Mas deve ser construída com paciência e respeito para não agredir os limites das crianças. O Diario reuniu três histórias de padrastos e enteados que conseguiram compor juntos uma nova relação familiar.

A bola, a chuteira e o time do coração
Foi com "tio" Leandro que José Igor, de 8 anos, aprendeu a jogar futebol. Ganhou a bola, a chuteira, o uniforme do time do coração - o Sport - que passou naturalmente, de padrasto para enteado. "Ele brinca de bola comigo, joga videogame, mas também manda eu fazer o dever de casa", conta o pequeno, que convive com o pai postiço (chamado carinhosamente de tio), desde que tinha dois anos. Paloma Danielle, esposa do operador de máquinas Leandro Luciano Pereira, diz que percebeu que o namorado com quem ela estava se relacionando há poucos dias realmente se importava com ela e com o seu filho quando o menino adoeceu. "Ele teve uma pneumonia aguda. Foi para o balão de oxigênio. Era muito sério. Eu estava começando a namorar, mas ele ficou comigo o tempo todo, querendo saber como Igor estava", relata Paloma. "Tudo o que eu faço, penso no Igor. Levo ao colégio, ao karatê. O tempo que eu estou em casa, estou perto dele. Quando ele tem crise de asma, cuido dele enquanto a mãe descansa", conta o padrasto. Mesmo com o nascimento de Isaque, de apenas 5 meses, a relação entre padrasto e enteado não mudou. "Ainda bem que ele não tem ciúmes do irmão. Até ajuda a cuidar".Como era muito pequeno quando a mãe começou a se relacionar com o padrasto, a ligação entre Leandro e José Igor foi construída de forma natural. "Ele sempre fez parte do cotidiano da criança. Ele o viu crescer e esteve por perto em todos os momentos", diz Paloma.

Conquista da confiança no cotidiano

Renato, 14, considera Marcos Bezerra seu amigo. Foto: Helder Tavares/DP/D.A. Press

A função do padrasto não é substituir o pai, mesmo que esse seja ausente na vida dos filhos.
Essa é a opinião da psicóloga clínica, especialista em terapia de casal e família, Renata Vinhaes. "Ele pode fazer as vezes de um pai, como qualquer outro membro da família pode assumir esse papel, um tio, um avô. E não é regra que essa relação seja conturbada", diz a psicológa. Como, após uma separação, o cenário mais comum ainda é os filhos morarem com a mãe, o padrasto torna-se uma figura de maior importância, porque convive cotidianamente com os enteados. Para os padrastos, a "cartilha" da construção de uma relação de confiança com os enteados começa com sensibilidade para perceber até onde se pode ir. "Esses limites são impostos pela mãe e pelas próprias crianças. É preciso ter paciência para que essas crianças possam se adaptar a uma nova realidade", complementa Renata. Um elemento complicador na relação entre padrastos e enteados é, normalmente, a figura do pai. "Se o pai for ausente, o padrasto é mais requisitado. Mas se o pai está muito presente na vida dos filhos, pode ser ainda mais complicado para que o padrasto conquiste a criança".Neste caso, a mãe é o elo "facilitador" desta relação. Explicando para os filhos que a relação com o pai deles não deu certo, mas que ela tem o direito de ser feliz com outra pessoa. Isso pode parecer simples na teoria, mas a prática revela alguns conflitos. "É a conquista de um espaço no cotidiano, se aproximando das crianças, conversando, deixando que elas interajam de uma forma saudável com o novo integrante da família", finaliza a psicóloga.Relação de adoção de ambos os lados"A minha relação com o meu padrasto é de amigo. Ele me trata bem e eu sei que posso contar com ele. Eu amo o meu pai, mas tenho mais afinidade com Marcos por causa do convívio". O depoimento de Renato Teixeira, de 14 anos, deixa o taxista Marcos Bezerra da Silva emocionado. A relação entre padrasto e enteado foi construída tomando por base uma única palavra: respeito. "Eu sempre deixei claro para ele que não sou o pai. Mas no dia em que ele precisar de mim, tem a certeza que pode contar. A gente sabe que é uma relação de adoção de ambos os lados", conta o padrasto. Marcos é casado com a artesã Maria Raquel de Lima, mãe de Renato, há 10 anos. "No início era difícil porque ele era muito manhoso, qualquer coisa chorava. Tinha cíúmes. A gente evitava se beijar na frente dele. É preciso entender os limites da criança", sugere Marcos Bezerra. "Antes de começar essa relação eu também me coloquei certos limites para que a nossa relação não tivesse problemas. Nunca me senti no direito de bater nele, por exemplo. Na minha filha (está certo que ela é trelosa) eu já dei umas palmadas". Renato não enxerga diferença no tratamento que o padrasto confere à filha, Sara Raiane, de 10 anos. "Ele lida com a minha irmã do mesmo jeito que faz comigo. E a gente precisa de um esporro de vez em quando", assume o adolescente. Com a convivência, a relação de amor e valores foi construída. "Eu amo o meu pai, mas também amo o Marcos. Com ele eu aprendi a ser uma pessoa melhor, uma pessoa honesta".

Padrastos amados e odiados no Orkut


Fernando confessa que Amanda e Alexandre se comportam até melhor quando a mãe está ausente. Foto: Alexandre Gondim/DP/D. A Press.


O amor (ou ódio) aos padrastos alcançou a rede. No Orkut, uma dezena de comunidades reúne enteados que rendem muitos elogios aos maridos das mães ou gostariam de não ter que conviver com o padrasto.
A comunidade Meu padrasto é um paizão congrega 6.490 internautas. "Sou casada há dois anos e meu padrasto que me levou ao altar. Amei, foi lindo. Ele mereceu por tudo que fez por mim!", relata Karla.
Muitas vezes, o amor pelo padrasto guarda uma relação tênue com o abandono do pai biológico, histórias de mágoa e ressentimento. "Amo muito mais meu padrasto que meu próprio pai, apesar de gostar muito do meu pai", tecla Iully, na comunidade Eu amo o meu padrasto, com 5.400 usuários. "Eu não sei quem é meu pai e não sei se tenho vontade de saber... só sei que o cara deve ser imprestável, porque se me abandonou nesse mundo, a mim e a minha mãe, é porque não presta", escreve Alessandra.
No lado oposto, internautas se unem para dizer "como matariam os seus padrastos". "Dando veneno, empurrando da escada. Ou seja, ele morrendo, já tava muito bom", diz a internauta Amanda. "Da forma mais dolorida possível", complementa Victor Hugo. A comunidade Eu odeio meu padrasto tem 2.411 usuários. No padrasto, 811. Nesta última, os orkuteiros se divertem com o jogo "xingue seu padrasto em ordem alfabética".

Jogo de pré-adolescente

Há dois anos, Fernando Ferreira é casado com Luciana Nóbrega. Quando decidiu morar com a amiga de infância, o assistente técnico já sabia que estava ganhando de presente o convívio com dois pré-adolescentes, filhos de um relacionamento anterior da esposa. Amanda, de 12 anos, e Alexandre, 11, brigam entre si o tempo todo. Mas, independente disso, sabem o quanto é importante que a mãe esteja feliz. "A gente não tinha ciúmes dela. Estava vendo ela bem. E o meu pai já estava até noivo, então foi mais fácil", revela Amanda.
Os próprios filhos de Luciana pediam para que o namorado da mãe ficasse mais com eles, dormisse por lá mesmo, quando ele ia visitar a família. "É, a gente pedia pra ele ficar lá", confirma a enteada. "Eu já conhecia Luciana desde criança. Conhecia os meninos. Claro que, no início, foi complicado. É uma pessoa estranha entrando na família deles. Mas eu adoro família e agora eles são a minha família".
Quando estão sozinhos com o padrasto, os dois se comportam direitinho. "É até mais fácil lidar com eles quando a mãe não está. Eles dão menos trabalho. Se é pra chamar atenção, eu só digo uma vez e eles já me entendem". Quando começou o relacionamento com Luciana, Fernando queria ter um bebê com a esposa. Hoje, essa ideia vai ficando mais distante. "Percebi que já peguei a parte boa com os meninos maiores. E eles já estão grandes para que a minha esposa comece tudo de novo. Acho que não me importo mais. Eu já tenho um pouco da experiência da paternidade', diz o padrasto.

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