segunda-feira, 20 de abril de 2009

Uma escola especial

Crianças com câncer não perdem a chance de continuar aprendendo,mesmo nos momentos mais difíceis

Se qualquer probleminha é um motivo para você faltar à escola, saiba que tem uma galerinha com doenças gravíssimas que luta pela vida e ainda conta as horas para assistir aulas numa salinha bem especial
Juliana Godoy//Especial para o Diario
julianagodoy.pe@diariosassociados.com.br



Maria Ednalda

Com muita vontade de viver e APRENDER



Alisson Sebastião da Silva, 11 anos, está na 2ª série, adora ciências, mas seu forte mesmo é o português. "Adoro ler". Foto: Jaqueline Maia/DP/DA Press

Maria Ednalda da Silva já tem sete anos, mas nunca aprendeu a ler. Ela ainda não frequentou uma escola. Pelo menos não uma como a sua, cheia de salas, com quadra e espaços para brincar. Isso porque Ednalda sofre de uma doença grave, que deixa as pessoas bem fraquinhas e sem poder ir para a sala de aula comum. Para se tratar, ela precisou sair de sua cidade, Caruaru, e vir para o Recife. A escola que ela está hoje não é tão diferente das escolas que vemos por aí. É apenas menor. Na verdade, é mais uma sala de estudos. Tem duas mesinhas, por onde os alunos de séries diferentes se espalham, várias cadeiras com apoio, lápis para colorir e muitos, muitos livros nas prateleiras. Foi lá que a pequena aprendeu como juntar as letrinhas e ver uma palavra se formar. Foi lá também que Maria Ednalda fez muitos amigos, que assim como ela sofrem de câncer - doença que prejudica as células -, mas que querem aprender algo novo a cada dia. Essa escola tão especial fica dentro do Núcleo de Apoio à Criança com Câncer, o Nacc. A equipe do Diarinho foi até lá para conferir de perto como é um dia de estudo na vida dessas crianças. Presenciamos, inclusive, o primeiro dia de aula de alguns desses alunos.Na sala de Maria Ednalda não existe um número fixo de crianças. A cada dia é uma turma diferente. Sempre falta um que ficou mais fraquinho depois do tratamento ou chega alguém novo para iniciar um. "Elas não são obrigadas a vir para a sala por conta do tratamento que fazem. Elas tomam muitos remédios e às vezes ficam cansadas", explica "tia" Cristiane Teixeira, que acompanha a turminha de Ednalda há dois anos. Mas alguns, mesmo indispostos, fazem questão de ir à aula. Eles não querem perder nem um segundo do aprendizado. "Quando eles chegam aqui é com muita vontade de aprender. Eles não querem ficar para trás da turma que deixaram na escola de origem", conta Cristiane. Esse é o caso de Alisson Sebastião da Silva, 11 anos, que veio do interior do estado quando começava a 2ª série. Alisson adora ciências, mas seu forte mesmo é o português. "O que gosto mesmo é de ler e aqui eu posso continuar lendo", afirma Silva. Além de ler, o pequeno aproveita os intervalos para brincar e rir muito com os coleguinhas. Não é porque está doente que ele deixa de ser criança. "A gente se diverte aqui, ganha brindes, visitas de pessoas de fora", conta.Durante as aulas do Nacc a leitura é muito exercitada, mas tem também matemática, ciências, contação de histórias, interpretação de textos e, claro, também a produção deles. Igualzinho a uma escola regular. O que muda é a dificuldade das tarefas, que vai depender da série do aluno. "Procuramos fazer atividades que todos possam realizar, mas também fazemos um acompanhamento mais individual", diz tia Cris. Luana Souza Carvalho, 7 anos, por exemplo, está na primeira série, mas na mesa que ela senta também está Riobis Rhudá, 4 anos, que veio do Rio Grande do Norte com a família para se tratar. Rhudá ainda não conheceu a escola que você conhece, mas no Nacc ele dará seus primeiros passos no aprendizado das letras e dos números. Mas mesmo estando em séries diferentes, isso não impede que Luana aprenda os assuntos da 1ª série. Pelo contrário. Ela ganha conhecimento ajudando os outros coleguinhas. "Aqui a gente brinca e aprende uns com os outros", conta Luana. "Todo mundo da sala sabe tudo sobre o outro. Sabem de onde vêm, do que mais gostam, qual a sua doença e procuram se ajudar quando precisam", afirma Cristiane.Por essa proximidade é que sempre que um vai embora, seja para sempre ou apenas de volta para sua cidade natal, é difícil para todo mundo. Mas quando chega alguém novo é sempre uma festa. No dia em que o Diarinho conheceu essa escola tão especial, José Thiago Caetano de Souza, 9 anos, estava tendo seu primeiro dia de aula lá. Ele estava tão enturmado que nem parecia um novato no meio de todos. "A única diferença que vi para a escola que estudava antes é que lá tem mais gente do que aqui. Fora isso é igual", diz Souza. E é realmente tudo muito parecido. Nas paredes da sala estão alfabetos e sílabas de palavras, enquanto um globo geográfico ocupa um canto, um esqueleto de ciências ocupa o outro. Nas prateleiras muitos livros, hidrocores, lápis de cera e papel. Para quem não está muito disposto para a aula, mas quer estar na sala, as "tias" dão a opção de pintar ou brincar com massinha de modelar.

Êpa, vai passar!

A essa altura você deve estar curiosa para saber o que é câncer. Esta palavrinha pequena representa uma doença muito chata, malvada, que faz as células do corpo doentes se multiplicarem bem "bagunçadas" e muito rápido. Você já pode ter visto isso nas aulas de ciências/biologia ou logo logo verá. Ela prejudica o nosso organismo e o tratamento serve para destruir essas células e ainda impedir que elas continuem crescendo. Se tem alguém na sua família com esta doença ou um amigo, saiba que ela tem cura e que cada dia mais os médicos sabem como fazer isso. O mais importante é acreditar, ter esperança e gostar da vida. Este é um grande e importante remédio. E nada de ter medo, pois ela não é contagiosa (quer dizer, ela não pega não). Ao contrário, os doentes precisam da sua alegria e de muita companhia. (Lúcia Guimarães)

Com o dinheiro do imposto
A escola hospitalar, como é chamada sala de aula, é uma inciativa do governo para que as crianças com doenças mais graves, como o câncer, não parem de estudar nem quando estão internadas ou fazendo tratamentos, já que maioria é do interior do estado. Isso é possível por causa dos impostos que seus pais pagam. É uma das maneiras de se aplicar o dinheiro, na educação. É como no seu prédio - eles pagam o condomínio para ter água, segurança e energia. Mas infelizmente, ainda são poucas as escolas desse tipo. Em Pernambuco, existem apenas duas salas de aulas "especiais". A do Nacc e a do Imip. Qualquer criança, desde que esteja em processo de cura, pode participar das aulas. Basta que os pais autorizem. "Na hora de voltar para a casa tudo o que foi aprendido durante a internação vai contar também na escola regular da criança", explica Cristiane Teixeira.O processo funciona mais ou menos assim: quando a criança é internada, a escola de origem manda toda a grade currícular, os assuntos que aquele aluno estudaria durante o período do tratamento para a professora da educação especial que, no caso do Naac. é Cristiane ou Maria Aparecida Lacerda. "Aí quando um aluno chega faz a Provinha Brasil para medir o nível de aprendizagem que ele está. Na hora de voltar para a escola regular a gente envia todas as tarefas que foram feitas e ele volta a estudar normalmente", explica Cristiane.





Para ensinar nas escolas hospitalares professoras têm que ter mais que conhecimento
Juliana Godoy//Especial para o Diario

julianagodoy.pe@diariosassociados.com.br

Uma tia especial

Tia Cris, como Cristiane Teixeira é chamada dentro da sala de aula, não escolheu o Nacc para trabalhar, mas Tia Cris, como é chamada, adora o que faz e passa com muito amor os conhecimentos aos seus alunos do Nacc. O resultado ela vê nos olhinhos de cada um. Foto: Jaqueline Maia/DP/DA Pressescolheu a educação especial como função. Durante muitos anos ela deu aulas para crianças com deficiências mentais ou com algum tipo de limitação. Mas há dois anos foi chamada para preencher o cargo no Naac. Ela conta que não existe nada mais gratificante do que estar lá. Na verdade, tia Cris representa aqui um universo ainda pequeno - mas importante - de educadores que se dedicam às crianças especiais ou em momentos de vida especiais."Você esquece o mau humor, passa a ser mais tolerante e percebe que seus problemas são muito pequenos perto do que essas crianças passam", afirma. Na sala de aula ela conta que encontra muito amor por parte de seus alunos e que é muito bonito ver a preocupação que um tem com o outro. "Eles se unem na dor e percebem que não são os únicos a enfrentar esses problemas. Mas eles não são menos felizes do que as outras crianças. Pelo contrário. O que eles têm é muita vontade de viver e aprender, porque sempre estão me cobrando tarefas", confessa. Para as crianças que têm oportunidade de ir a uma escola regular tia Cris aconselha a valorizar isso, a aproveitar essa escola. "Essas crianças (com câncer) são um incentivo para as outras verem como é bom aprender. Os meus alunos dão muito valor a isso para não ficarem para trás", aconselha.
Um vencedor
José Antônio Alves não é mais nenhuma criança. Tem 21 anos e um tratamento de câncer para contar. Nascido em Belém de Maria, no interior do estado, José precisou deixar sua escola de origem para fazer o tratamento de sua doença no Recife. A escola ficou para trás, mas não os estudos. Durante o período em que estava internado Alves frequentava a escola hospitalar e não se arrepende da escolha. "Sempre procurei vir às aulas, mesmo quando não estava muito disposto", conta. Apesar de ter atrasado um pouco os estudos, hoje José se prepara para enfrentar o vestibular. A carreira escolhida ele ainda não sabe. Mas está feliz de poder terminar o colégio com a ajuda do Nacc. "Era muito bom chegar na escola da minha cidade, mesmo depois de um tempo, e saber os assuntos como meus colegas de turma. Muitas vezes quando o professor passava a matéria eu já sabia, porque tinha aprendido enquanto estava internado", afirma.

DIARINHO,18/4/09

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