quarta-feira, 22 de abril de 2009

Leite derramado





Chico Buarque investiga mudança da sociedade
Neste quarto romance, compositor segue a tradição do pai, o historiador Sérgio Buarque de Holanda

Autor concentrou-se no processo criativo, despreocupando-se de suas outras artes; a obra chega hoje às livrarias com tratamento de best-seller, duas capas e 70 mil exemplares. Foto: Bruno Veiga/Divulgação

Ubiratan Brasil // Agência Estado
São Paulo - Em janeiro, Chico Buarque de Holanda colocou o ponto final na obra que escrevia desde setembro de 2007 e que hoje chega com tratamento de best-seller às livrarias: Leite derramado (Companhia das Letras, 200 páginas, R$ 36).
história do homem velho que, em um leito do hospital, revisita o próprio passado e, por extensão, a transformação da sociedade brasileira, chega com duas opções de capas e uma fornada inicial de 70 mil exemplares.
Neste quarto romance, Chico Buarque segue a tradição do pai, o sociólogo e historiador Sérgio Buarque de Holanda, cujo clássico Raízes do Brasil descreve o processo de formação da sociedade brasileira como singular e distinto da dos outros países da América Latina. "O curioso é que ele se surpreendeu quando levantei a hipótese de a imprensa relacionar o livro com a obra do pai", comenta o editor Luiz Schwarcz.Há, no entanto, influências sociológicas, literárias e familiares. Criado em um ambiente notadamente intelectual, Chico Buarque gosta de relembrar com amigos a seriedade profissional do pai. "Sérgio sempre dizia que literatura é coisa séria", comenta o compositor que, ao ser premiado com o Jabuti por Estorvo, em 1992, fez questão de receber a estatueta, mesmo debilitado por uma perna quebrada e avesso a cerimônias. "Meu pai também ganhou um Jabuti", orgulhava-se.Chico repetiu sua monástica rotina ao criar Leite derramado, ou seja, concentrou-se no processo, despreocupando-se das outras artes. Dessa vez, foi poucas vezes a seu apartamento em Paris, onde costuma se isolar quando ameaçado por crises criativas. Também pouco compartilhou da escrita com amigos. "Ele quase não fez comentários e só suspeitei de que haveria algum cunho histórico porque ele fez consultas com a Lilia", conta Schwarcz, referindo-se à sua mulher, a antropóloga e professora Lilia Moritz Schwarcz.Quando entregou os originais, Chico já os apresentou atualizados sob as regras da nova ortografia. O nervosismo, porém, era típico de qualquer escritor. "Chico logome disse que, se eu não gostasse, ele poderia recomeçar e mudar tudo, pois estava com a mão boa", relembra Schwarcz. "Como se dedica exclusivamente ao texto quando está escrevendo, ele sofre muito".A avaliação de amigos próximos, assim, transforma-se em informação preciosa. Chico recebeu ótimo retorno dos editores da Companhia das Letras responsáveis pela publicação. Também ficou lisonjeado com as palavras da crítica literária Leyla Perrone-Moisés, que classificou o livro como "obra de um escritor em plena posse de seu talento e de sua linguagem".Não sobraram apenas confetes, no entanto. Rubem Fonseca, por exemplo, notório pela reclusão diante da imprensa, não gostou do título, Leite derramado. Ele também contestara o de outro livro, Estorvo, dizendo que seria melhor se viesse acompanhado do artigo, O estorvo.Segundo Fonseca, o estranhamento agora vem da contradição entre o título inspirado em um ditado popular e a escrita rebuscada do romance. A escolha do título, aliás, foi demorada - surgiu apenas depois de escrita a frase final -, mas despontou como única opção, ao contrário de outras obras, como Benjamim, escolhido entre três possibilidades.O livro chega amparado por uma ampla campanha de marketing, envolvendo mídia impressa, rádio e TV, além de anúncios em livrarias e ônibus. Também um site (www leitederramado.com.br) entra no ar hoje, com vídeo exclusivo com Chico Buarque, agora ansioso pelas críticas.

Edição de sábado, 28 de março de 2009

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